domingo, 29 de agosto de 2010

A morte do pão francês

Era de manhã. Edmond acordou no meio de outros pães. Estavam todos presos em algum tipo de prisão de papel. Ele conseguia ouvir alguns ruídos vindos de fora. Alguém provavelmente estava do outro lado. Na confusão, uma abertura surgiu, e uma mão apareceu. Os prisioneiros ficaram desesperados. A mão se aproximou e pegou Edmond. Estava assustado. Pediu por ajuda. Mas os pães demonstraram apenas uma expressão de alívio. Entrou em desespero. Foi colocado no chão. Parecia ser de porcelana. A mão saiu e logo voltou com uma serra. Então outra mão apareceu e segurou Edmond contra o solo. Ele olhava para a lâmina assustado. A que estava com a arma se aproximou e começou a serra-lo ao meio. Gritava. A dor era indescritível. Estava quase pela metade. A mão parou de cortá-lo. Ainda estava consciente. Por poucos segundos, Edmond sentiu-se bem. A mão largou a lâmina e passou a arrancar as entranhas dele. Agonizante, ele se perguntava porque aquilo estava acontecendo. Qual era o sentido de toda aquela tortura. Já arrancadas, a mão colocou as entranhas longe de Edmond. Agora enfiava pedaços de carne no lugar. Ele não ligava mais. Não havia solução. As mão juntaram as duas metades e levantaram ele no ar. Olhou para frente. Via uma boca. Cheia de dentes fortes e afiados. Seria facilmente esmagado por eles. Edmond fechou os olhos e se entregou ao seu terrível fim.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Fábula atual

Renato era um jornalista. Ele estava apaixonado pelo colega de trabalho. Não poderia declarar-se ao amigo, pois esse era hétero. Na verdade, ninguém sabia de seu segredo. Aparentemente não havia nada em Renato que trouxesse alguma suspeita sobre sua opção sexual. Pensando nisso, certo dia, ele foi a um bar literalmente “afogar as mágoas”. Bebeu tanto que acabou sendo expulso do botequim. Seguiu, cambaleando, tentando encontrar algum outro boteco de braços abertos. No caminho, deparou-se com um morador de rua em sono profundo. Ao seu lado, uma garrafa. Parecia ser alguma bebida. “Melhor que pagar por uma.”- pensou Renato. Tirou a garrafa do moribundo e saiu. No caminho, tentava abrir a garrafa. Não conseguia. Sentia algum peso nela, como se houvesse algo lá dentro. E com as percepções que qualquer bêbado teria, acreditava de todo coração que só poderia ser algo alcoólico, e estava decidido a descobrir o que era. Como ficava perto, Renato não teve dificuldades para chegar em casa. Com 10 toneladas de cansaço nas costas e uma chave que insistia em pular de suas mãos, ele pacientemente abriu a porta e entrou.
Sentou um pouco. Observou a garrafa. Ainda não podia abri-lá. Reparou que uma rolha a tampava. Foi pegar um saca-rolhas na cozinha. Também não adiantou. E num momento de fúria, Renato deu um berro e jogou a garrafa com tudo no chão da sala. Naquele instante, dos cacos de vidro surgiu um ser de fumaça. Renato, espantado, perguntava-se em voz alta o que seria aquela criatura. Ele não parava de falar. Então a nuvem gritou:

– Cale-se!

Renato obedeceu a ordem.

– Qual é o seu desejo? - perguntou o ser.

– Desejo? - indagou Renato.

– Sim. Me libertas-te de minha prisão. Em troca lhe concederei um desejo.

– Hum...Isso faz de você um gênio, certo?

– Ora! É claro que sou um gênio! O que mais eu seria?

– Mas... só um desejo?

– Olha, se me libertou apenas para me fazer perguntas estúpidas, sugiro que me prenda em outra garrafa e se livre de mim.

– Está bem! Desculpe!

– Agora, novamente, qual seria o seu desejo?

Renato, acreditando que era tudo uma alucinação, resolveu obedecer ao gênio e desejar algo. Mas não fazia idéia do que desejar. Tinha o emprego que sempre sonhou. Ganhava muito bem. O que desejaria? E durante aquela reflexão, lembrou do colega de trabalho. Poderia, porém não desejou que ficassem juntos. Parecia fácil demais. E frio. Precisava de algo que o ajudasse a conquistar o coração de seu amigo, não possuí-lo de uma vez. Teve uma idéia. A qualquer momento poderia acordar daquele provável sonho, entretanto, era melhor que ouvir as ladainhas daquele gênio grosseiro. Renato olhou decidido para a fumaça e exclamou:

– Desejo ser uma mulher!

– Seu desejo é uma ordem. - respondeu o gênio.

A cena se apagou. Com um pequeno esforço, Renato abriu os olhos e se viu deitado no sofá. A cabeça doía. Ele olhou para o piso da sala. Nenhum estilhaço de vidro. “Sonho doido. Não devia ter bebido tanto.”- pensava. Se dirigiu ao banheiro. Por algum motivo as roupas pareciam mais frouxas que usualmente. Não enxergava muito bem. Lavou o rosto. Virou para o espelho e viu o reflexo de uma linda mulher. Ficou sem palavras. Foi a sala novamente se certificar de que não havia algum caco de vidro jogado. Nada. O que teria acontecido? Estaria ainda sonhando? Renato se beliscou. Jogou-se de um lado para o outro. Não resolveu. Continuava com a mesma aparência. Sobrou apenas deixar-se levar por aquela situação. Voltou para o banheiro. Tirou a roupa e deu uma boa olhada no novo físico. “Estranho. Mas nada mal.”- dizia a si mesmo. Sentia-se sujo. Tomou um banho. Enquanto tentava compreender seu novo corpo, refletia em como seguiria com sua vida a partir dali. Apesar de complicado, aquela seria a chance perfeita para conquistar o coração do amado. Estava resolvido. Iria ganhar o coração dele. Nem que fosse como Renata.
Comprou roupas novas. Arrumou outra identidade e novos documentos. Difícil se acostumar. Muitos saltos quebrados durante o percurso. Com empenho, conseguiu o emprego como aquela pessoa. Agora precisava se aproximar do homem. Conversavam pouco. E os papos que não passavam de profissionais ficaram mais íntimos. Saíam juntos. E quando surgiu a oportunidade, Renata se declarou. A reação do indivíduo não poderia ser melhor. Ele confessou que a amava também. Naquela mesma noite, foram ao apartamento dela e selaram seu amor. Ela levantou de madrugada. O amado dormia. Tinha o coração dele. Deveria estar feliz. Entretanto, havia algo errado. Não parecia ter feito o correto. Pensativa, levantou vagarosamente da cama, vestiu uma camisola e saiu. Teria de ir a um lugar. Resolver um assunto com um certo alguém. Andava tentando recordar onde aconteceu. Alguns passos dados e lá estava ele. O mesmo mendigo, com a mesma garrafa do lado. Não hesitou. Tomou-a e correu para um beco vazio. Rapidamente, lançou o recipiente na calçada. O g~enio apareceu:

– Mas você de novo?! - resmungou ele.

– Eu faria muitas perguntas neste instante, porém não pretendo tomar seu tempo. - disse ela.

– Quer outro desejo?

– Isso mesmo.

– Sendo assim, diga.

Renata respirou fundo e pediu:

– Desejo voltar ao que era!

– Não compreendo. Não alcançou o que queria? Por que você voltaria agora?

Ela se perguntava o que o gênio quis dizer com “alcançou o que queria”. Respondeu:

– Porque prefiro estar longe dele sendo eu mesmo, do que perto como outra pessoa.
– Dessa forma, mais uma vez, seu desejo é uma ordem. - falou ele.

Outro apagão. Renato acordou no beco. Estava com seu velho corpo. Voltou para casa, formulando uma explicação ao amante no caminho.