quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Intangível

Quanto tempo faz que estou aqui? Nem lembro mais. Não sei de onde vim. Como surgi. Ou aprendi o que sei hoje. Minha primeira lembrança é de estar em frente a uma lápide. Usava um uniforme escolar. Havia algo escrito nela. Um nome. Janice. Não conseguia tocar nada. Mesmo o chão era intocável. Apenas planava sobre a grama escura do cemitério. Confusa, vasculhei o local e encontrei uma senhora. Tentei falar com ela. Não escutava. Cutucá-la. Atravessei. Procurei por mais pessoas. Inútil. A situação se repetiu com todos. Magoada, vaguei pelos prédios, pensando no por quê daquilo. Vi uma garota usando o mesmo uniforme. Decidi segui-lá. Encontrei a escola. Fui com a garota até a sala de aula. Não prestei atenção na matéria. Tinha um garoto muito triste. Quando acabou, saí junto dele. Foi para uma barraca comprar flores. Depois, para minha surpresa, ao cemitério. Justamente no túmulo em que me encontrava. Ele as deixou encostadas na lápide. Quem foi aquela Janice? Algum parente? Talvez fosse uma namorada. Passei a andar ao lado do menino. Visitou ela várias vezes. Mas logo parou. O garoto se tornou um homem. Casou-se. Senti pena da Janice. Ele parecia amá-la tanto. Cansei do cara e viajei sozinha de novo. Conheci o país. O mundo. Ainda assim, sempre gostei mais de ficar naquele cemitério. Me sentia em casa. Vivi tanto tempo. E tem coisas que nunca pude fazer. Queria sentir o vento. Comer. Dormir. Tocar. Queria ter conhecido a Janice. Como será que ela era?

sábado, 4 de dezembro de 2010

Mudança de "vida"

E assim foi ela...

Acordar morto de sono. Me arrumar. Pular o café da manhã, pois não era a fome que me matava no momento. Ir para a escola com os olhos meio abertos. Dizer olá para os amigos, tão mortos quanto eu. Morrer de tédio ao ouvir um professor falando, e de rir com as piadas internas durante as conversas na sala. Ver outro entrar morrendo de raiva da aula anterior e querendo matar os alunos que atrapalharam sua aula. No intervalo, matar a fome, que demorou a aparecer. A sede as vezes morria junto. Depois era passar as últimas aulas morrendo de vontade de sair logo de lá. Me despedia dos colegas, voltava para casa, ficava por um tempo e partia para algum curso. Chegar de noite em casa. Encontrar a mãe morta por saber que o marido só chegaria tarde da noite. Esperar com ela, que morria de preocupação. Até entrar ele, mais uma vez morto de tanto trabalhar. Ela o seguia, e já que eu não precisava mais estar lá, ia dormir, aguardando por mais um dia de mortes.

Foi bom enquanto durou. Agora devo morrer por outros motivos.