sábado, 27 de agosto de 2011

Internado - parte 3

Cruzando o caminho ensanguentado, antônio alcançou o elevador. Chamou-o. O chão gelado o levava a espirrar. Resfriado? A falta da roupa íntima o deixava desconfortável. Sentia-se exposto. Num apito, as placas de metal se afastaram e ele entrou. Apertou o botão respectivo ao primeiro andar. Uma melodia agradável tocava. Ela parou. Uma música ao som de piano passou a tocar. A mesma que Júlia performou no teatro, antes de revelar sua identidade, e morrer. Da fresta da porta, um bilhete foi empurrado para dentro do elevador. Como aquilo era possível? O elevador estava em movimento. Antônio abriu o bilhete. Apenas uma palavra escrita: FOGO.

Sentiu um tranco e o elevador começou a cair. Inexplicavelmente, a coisa descontrolada não atingia o fundo. Enquanto caia, Antônio ouvia a voz de Júlia sussurrar repetidamente a palavra no papel. O elevador parou. A voz sumiu, juntamente com o bilhete. A alegre melodia voltou a preencher o local. O que foi aquilo? Uma alucinação? Um sonho? Achou serem efeitos da injeção que levou.

As portas se abriram. O investigador procurou pelo quarto 140. Não encontrou. Checou várias vezes. A numeração dos quartos ia somente até o 112. O que estaria errado? Antônio vasculhou o andar, procurando por pistas. Durante a busca, um detalhe chamou sua atenção. Incrustados na porta do banheiro feminino, arranhões formavam o número 140.

– Oh, vejo que encontrou o quarto. - falou a voz de Mohamed.

– Isso é um banheiro... - resmungou o investigador. - O que você injetou em mim?

– Primeiro, não fui eu quem injetou, sim a enfermeira Laura. É um medicamento especial que eu mesmo criei. Costumo dá-lo a todos os meus pacientes.

– Medicamento? Tá mais para alucinógeno.

– Ah, detetive. Deixe de desculpas. Entregue-se aos seus sentimentos. O remédio nada mais é do que um meio de ampliar o que já existe em você. Agora entre.

– E o que eu deveria encontrar aí dentro?

– Logo irá descobrir.

O inesperado diálogo com o doutor tirou sua dúvida em relação a existência das câmeras escondidas no prédio. Em passos cautelosos, Antônio invadiu o banheiro. Paredes encardidas. Torneiras disparando água. Um dos boxes estava aberto. O homem se aproximou lentamente. Viu apenas um vaso desprovido de sua tampa, coberto com pedaços de papel higiênico. De repente, ele foi atacado pelas costas. Uma mulher o chacoalhou gritando. Ela tentava perfurá-lo com um pedaço de vidro. Gritando por calma, o homem a empurrou, segurando-a contra a pia.

– O que vocês querem dessa vez? - perguntou ela, fatigada.

– “Vocês”?

– Estou farta disso tudo! Por que não me matam de uma vez? - a moça de pele escura e cabelo liso encolheu-se no canto.

– Olha, não sei o que fizeram com você, mas acredite, não estou com eles.

– E daí? - a mulher levantou-se rapidamente na direção do homem - Como vou saber se não é mais um daqueles pacientes malucos?

– Eu até mostraria meu distintivo, se não estivesse quase nu aqui. E afinal, eu tenho cara de louco?

– Não...não tem.

– Estou tão fodido quanto você nesse lugar.

– Ai, que porra... Tá bem, tá bem. Desculpe.

– Vamos recomeçar. Meu nome é Antônio. Sou detetive.

– Valéria. Jornalista.

domingo, 14 de agosto de 2011

CCN-SR: Confusões de uma Colegial e seu Namorado-Servo Robô #9

Diana meditava em seu quarto. O cheiro de incenso, acompanhado da leve iluminação de velas ritualísticas, preenchiam o ambiente obscuro do cômodo. Ouviu um barulho e resolveu checar. Encontrou Thiago na sala, fitando inúmeras armas num compartimento escondido na parede.

– Pensei que fosse contra armas de fogo. - disse ela.

– E sou. Mas da última vez que enfrentei o Anônimo, o que eu tinha não foi sulficiente. Terei de usar tudo ao meu alcance para derrotá-lo.

– Só não se esforce demais. Vai mesmo se encontrar com a Kamila depois daquele incidente?

– Ela parou de falar comigo. Eu...sinto falta dela.

– Sente é? Que progresso para um equipamento de destruição em massa.

– Tem certeza de que quer ficar?

– Sim. Preciso ficar sozinha um pouco. Me tranquilizar. É quase lua cheia e... Ah, esquece. Não é nada. Vá aproveitar seu encontro.

– Afirmativo.

Após dias sem contato, Kamila repentinamente convidou o robô para sair. Na verdade, soou mais como uma ordem que um convite. Encontraram-se no cinema. A moça reclamou do uniforme branco do menino e o puxou até a sala. O clima romântico da película os incomodava. As vezes levava a maquina a observar Kaminla, que virava o rosto emburrada, e numa indecisão e arrependimento voltava o olhar ao garoto, que retornara a assistir o filme. Ela queria conversar. Ele também. Não aguentaram, falando em uma súbita coincidência misturada de palavras. Riram daquele momento visto somente em ficções. Os espectadores ordenaram silêncio e o casal se calou. Saíram argumentando sobre o final do filme. De mãos dadas, enterravam-se em seu próprio mundo, mal percebendo a lotação do centro de compras. Kamila parou de repente.

– Por que anda comigo? - perguntou ela.

– Geralmente, porque você me arrasta.

– Você me odeia?

– “Ódio” não consta nos registros.

– Mesmo eu gritando o tempo todo com você e maltratando os outros?

– Não consta nos registros.

– Ai...e eu pensando que tu tinha parado com essa palhaçada. - a menina fechou o punho e o colocou no peito. - Eu achei que me odiasse...quando...fez aquilo com a Bruna. Então...você me ama?

– Amar?

– É que...só pode ser...Você é o único garoto sincero comigo, e que não está interessado só no meu corpo. Ao meu ver é assim.

– Amar...Eu não...Consta...Indispon... ERRO!

– Erro?!

– Desculpe. - o robô correu, deixando a amada sem resposta.

A lua cheia iluminava os céus. A escuridão engolia o apartamento de Thiago. Ao acender a luz, ouviu um grito. Uma pequena mulher alada surgiu do corredor.

– Ai, que susto! Pensei que fosse um bandido. Quase te transporto para um rio congelado, seu doido! Uma fada não pode ter mais paz nesse universo?

– Me perdoe... - o robô estranhava aquela criaturinha de 20 centímetros a voar com suas asas de inseto. Vestia um colete e mini-saia verdes, botinas e luvas. O cabelo era curto e brilhava intensamente.

– Você deve ser o Thiago, o homem de lata, certo?

– Homem de lata?

– Sou Melissa, familiar da mestra Diana. Ela vive falando de você na minha terra. Eu e minhas irmãs o apelidamos de “homem de lata”. É engraçado. - a fada deu uma breve risada.

– Claro...Onde está ela?

– No quarto, e me deu ordens para não deixá-lo entrar.

– Por que motivo?

– Digamos que ela...precisa se controlar, e não quer ser incomodada em sua meditação.

– Certo, desde que ela fique bem.

– Sim, sim! Eu amo tanto ela. Quer dizer...não é que eu amo ela, eu gosto dela muito, e ela é tão bonita...Digo...Ela é uma garota maravilhosa, certo? - a pequenina ficou vermelha - Você sabia? A maioria das bruxas escolhe gatos ou sapos como familiares, porém ela me escolheu ao invés de um animal. Demais, não?

A fada tagarelou a noite toda.