sábado, 24 de setembro de 2011

Internado - parte 4


– Jornalista? - o detetive passou a mão no queixo, pensativo - Hum... você não seria aquela jornalista desaparecida, seria?

– Eu mesma... E acho isso bem óbvio né senhor.

– O que veio fazer aqui?

– Quando os assassinatos começaram, meu chefe pediu para me aprofundar mais no assunto e ver se descobria alguma gafe. Analisei a localização das vítimas e notei que a maioria amontoava-se próxima a saída norte da cidade. Só existe uma estrada que passa por la.

– E nessa mesma estrada fica o caminho para o hospital.

– Exato. No começo eu apenas investiguei os arredores. Não encontrando nada, fitava o mapa todo marcado e reparei mais neste lugar. Foi a primeira vez que vi ele em nossos mapas. Pesquisei um pouco mais, e quanto mais procurava, mais estranho parecia. O que um hospital faria no meio do nada, próximo a uma estrada. Do jeito que era desconhecido já deveria ter ido à falência. Logo corri para ver de perto, talvez encontrar uma “primeira página”, e aqui estou eu, uma hóspede forçada de um centro médico lotado de lunáticos.

– Eu deveria ter pensado nisso...

– Se não pensou, como chegou aqui?

– Um mendigo me contou...

– Bom... Se você diz.

– Vejo que já se conheceram - falou a voz ecoada de Mohamed - Eu tenho uma tarefa para você Valéria. Por que não apresenta o funcionamento de nosso maravilhoso estabelecimento?

– Como se eu tivesse escolha... - abriu a porta do banheiro bufando - Não vem?

– Vou usar o banheiro rapidinho. - falou Antônio - Pode me esperar fora.

– Tá. - saiu.

O detetive não queria participar das brincadeiras do médico, mas enquanto ele estivesse vigiando, não havia o que fazer por enquanto. Usou um dos toaletes e apoiou-se na pia. Molhou o rosto, olhando seu reflexo no grande espelho. Viu uma chama brilhando nele. Olhou para trás. Não encontrou nada. A imagem da fogueira o hipnotizava.

– O fogo é algo tão bonito, não? - sussurrou uma voz.

– Ahn?! - Antônio virou-se assustado.

– Calma! - Valéria pulou com a reação do homem.

– O que disse?

– Eu só perguntei se tinha terminado.

– Mas eu... tenho certeza que... - coçou a cabeça, confuso - Desculpe, vamos.

domingo, 4 de setembro de 2011

CCN-SR: Confusões de uma Colegial e seu Namorado-Servo Robô #10

Diana, em sua carteira, terminava a prova de literatura na sala de aula. Sentia-se cansada do esforço da noite passada. A lua cheia sempre é um problema para ela. Ficava cada vez mais difícil escapar de sua influência. Thiago ficou no apartamento, bolando um plano para invadir a dimensão de Anônimo e descobrir suas pretensões. Melissa esperneou, inutilmente, para que a levasse à escola. Kamila mal olhava a folha do teste. Fitando a parede, distraía-se pensando nos reais sentimentos de Thiago por ela.

– Er... Professora? - um dos alunos se levantou.

– O que foi? Terminou? - falou a mulher.

– Não, senhora. Lá fora.- o menino apontou para a janela.

Uma garota de verde e cabelos brancos acenava e chamava pela bruxa, sorrindo.

– Diana, o que significa isso? - indagava-se a tutora.

– Desculpe professora... - a feiticeira fez um sinal e a pessoa saiu. Para sua surpresa, era Melissa, no tamanho de uma garota normal e sem asas.

Após o período, Diana encontrou a serva na saída do Colégio.

– Melissa, o que faz aqui? Mandei ficar em casa com o RP-6.

– Ah, mas ele só fica lá parado. E se falo algo, tudo que ele diz é “Informação indisponível” e “Não consta nos registros”. Fiquei entediada. - a pequena fez bico, cruzando os braços. - Por isso eu vim aqui.

A menina junto as pontas dos dedos indicadores, olhando para o lado.

– Mestra... Você quer... Você quer sair comigo? - disse a fada, vermelha.

– Ora... claro. Por que não?

– Ebaaaaaa! Vou sair com a mestra Dianaaaaa, la la la la la laaaaaaaaaaaaaaaaaa!

– Olha só quanta animação. - Bruna aproximou-se das duas.

– Ah, oi Bruh! Tudo bem com você? - perguntou a bruxa.

– Estou sim. Muito difícil a prova?

– Um pouco. E pra você?

– Fácil.

– Quem é essa, mestra? - a fada fitava a moça de óculos de trás da amiga.

– Essa é bruna, minha amiga. Bruna, essa é Melissa, minha... minha irmã caçula!

– O quê?! - indagou a baixinha.

– Melissa. Que nome fofo. Prazer em conhecê-la. - Bruna inclinou-se em respeito.

A pequena ficou sem graça coma a graciosidade da moça.

– Então... vão a algum lugar?

– Vamos sim. Quer ir junto?

– Adoraria.

– NÃO! - Melissa entrou na frente de Diana- Você não irá estragar meu maravilhoso encontro com a mestra. Sua peituda. PEITUDA!

– Peituda? - Bruna não compreendeu o suposto insulto.

– Pare com isso, Melissa. - bronqueou Diana.

– Hum...tá. Mas eu fico do seu lado. A fada segurou o braço da bruxa. - A quatro olhos fica logo atrás.

Conversando, as meninas foram à uma sorveteria próxima.

– Ah! Adoro sorvete de menta! - suspirou a fada.

– Eu também. É o meu favorito. - declarou Bruna.

– Prefiro de flocos. - a feiticeira mexia no doce gelado com a colher. - Não deve ser tão bom quanto o beijo do Thiago, né Bruh?

– Ahn? - a moça envergonhou-se.

– Sabia Melissa? A Bruh beijou nosso amigo ruivo.

– O quê?! E ela ainda ousa dar em cima de você? Peituda tarada!

– De novo esse papo de seios... - confundia-se a nerd.

– Ouviu mestra. Eu posso ter peitos pequenos, porém nunca irei te trair. - Melissa segurou forte a mão da parceira.

– Que lindo. Sua irmãzinha te ama mesmo. - Bruna sorria.

– Sim! Eu amo... Eu amo você mestra! - a alta declaração chamou a atenção dos clientes e funcionários da sorveteria.

– Ah... Eu também te amo.

– Ama?

– Claro. Você é minha irmãzinha, certo?

– Mas... não foi isso que eu... - a pequena abaixou a cabeça. Seus olhos lacrimejavam -Mestra boba!

A menina pulou da mesa e correu.

– Melissa! Espere! Droga... Desculpe Bruh, eu...

– Tudo bem. Vá atrás dela. Eu pago o de vocês.

– Desculpe.

A bruxa saiu correndo pela cidade, procurando pela amiga. De tantas voltas que deu, parou para descansar num parque vazio. Ouviu um choro. Vinha de uma árvore ao seu lado. Num buraco, Melissa, de volta a forma alada, chorava encolhida.

– Ai ai, Melissa. - tirou a criaturinha do buraco e a deixou sentada na palma da mão - Por que fugiu daquele jeito?

– Me...solta... - a fada soluçava de tanto chorar.

– Pare de chorar. - enxugava as lágrimas da amiga com o dedo - Você é uma coisinha tão linda. Por que chorar tanto assim?

– Só que... a mestra... não me ama do mesmo jeito que eu.

A bruxa encostou a fada no peito.

– Mestra... - Melissa apoiou a pequena cabeça na região em que era encostada.

– Amor é amor, Melissa. Eu te amo muito. Bem mais do que imagina.

– É sério?

– Seríssimo. Você é incrível. Sempre que preciso de ajuda você está perto para me apoiar. Quando me sinto triste, você fica do meu lado e me consola. Eu adoro como fica alegre, e procura pelo bem de todos. Como trabalha duro com as suas irmãs. Por isso eu te amo. E a última coisa...melhor, a única coisa que eu jamais desejaria é te fazer chorar.

– Eu também te amo! - a fada saltou, rodeando a feiticeira. - A partir de agora vou me dedicar mais. E você irá se apaixonar por mim, tenho certeza!

– Esse é o espírito. E para começar que tal me levar a algum lugar? Ainda podemos ter aquele encontro.

– Eu passei por um playground lindo. Tinha um carrinho de churros por lá.

– Vamos então.

– Ebaaaa! Churros de chocolateeeeeeee!

sábado, 27 de agosto de 2011

Internado - parte 3

Cruzando o caminho ensanguentado, antônio alcançou o elevador. Chamou-o. O chão gelado o levava a espirrar. Resfriado? A falta da roupa íntima o deixava desconfortável. Sentia-se exposto. Num apito, as placas de metal se afastaram e ele entrou. Apertou o botão respectivo ao primeiro andar. Uma melodia agradável tocava. Ela parou. Uma música ao som de piano passou a tocar. A mesma que Júlia performou no teatro, antes de revelar sua identidade, e morrer. Da fresta da porta, um bilhete foi empurrado para dentro do elevador. Como aquilo era possível? O elevador estava em movimento. Antônio abriu o bilhete. Apenas uma palavra escrita: FOGO.

Sentiu um tranco e o elevador começou a cair. Inexplicavelmente, a coisa descontrolada não atingia o fundo. Enquanto caia, Antônio ouvia a voz de Júlia sussurrar repetidamente a palavra no papel. O elevador parou. A voz sumiu, juntamente com o bilhete. A alegre melodia voltou a preencher o local. O que foi aquilo? Uma alucinação? Um sonho? Achou serem efeitos da injeção que levou.

As portas se abriram. O investigador procurou pelo quarto 140. Não encontrou. Checou várias vezes. A numeração dos quartos ia somente até o 112. O que estaria errado? Antônio vasculhou o andar, procurando por pistas. Durante a busca, um detalhe chamou sua atenção. Incrustados na porta do banheiro feminino, arranhões formavam o número 140.

– Oh, vejo que encontrou o quarto. - falou a voz de Mohamed.

– Isso é um banheiro... - resmungou o investigador. - O que você injetou em mim?

– Primeiro, não fui eu quem injetou, sim a enfermeira Laura. É um medicamento especial que eu mesmo criei. Costumo dá-lo a todos os meus pacientes.

– Medicamento? Tá mais para alucinógeno.

– Ah, detetive. Deixe de desculpas. Entregue-se aos seus sentimentos. O remédio nada mais é do que um meio de ampliar o que já existe em você. Agora entre.

– E o que eu deveria encontrar aí dentro?

– Logo irá descobrir.

O inesperado diálogo com o doutor tirou sua dúvida em relação a existência das câmeras escondidas no prédio. Em passos cautelosos, Antônio invadiu o banheiro. Paredes encardidas. Torneiras disparando água. Um dos boxes estava aberto. O homem se aproximou lentamente. Viu apenas um vaso desprovido de sua tampa, coberto com pedaços de papel higiênico. De repente, ele foi atacado pelas costas. Uma mulher o chacoalhou gritando. Ela tentava perfurá-lo com um pedaço de vidro. Gritando por calma, o homem a empurrou, segurando-a contra a pia.

– O que vocês querem dessa vez? - perguntou ela, fatigada.

– “Vocês”?

– Estou farta disso tudo! Por que não me matam de uma vez? - a moça de pele escura e cabelo liso encolheu-se no canto.

– Olha, não sei o que fizeram com você, mas acredite, não estou com eles.

– E daí? - a mulher levantou-se rapidamente na direção do homem - Como vou saber se não é mais um daqueles pacientes malucos?

– Eu até mostraria meu distintivo, se não estivesse quase nu aqui. E afinal, eu tenho cara de louco?

– Não...não tem.

– Estou tão fodido quanto você nesse lugar.

– Ai, que porra... Tá bem, tá bem. Desculpe.

– Vamos recomeçar. Meu nome é Antônio. Sou detetive.

– Valéria. Jornalista.

domingo, 14 de agosto de 2011

CCN-SR: Confusões de uma Colegial e seu Namorado-Servo Robô #9

Diana meditava em seu quarto. O cheiro de incenso, acompanhado da leve iluminação de velas ritualísticas, preenchiam o ambiente obscuro do cômodo. Ouviu um barulho e resolveu checar. Encontrou Thiago na sala, fitando inúmeras armas num compartimento escondido na parede.

– Pensei que fosse contra armas de fogo. - disse ela.

– E sou. Mas da última vez que enfrentei o Anônimo, o que eu tinha não foi sulficiente. Terei de usar tudo ao meu alcance para derrotá-lo.

– Só não se esforce demais. Vai mesmo se encontrar com a Kamila depois daquele incidente?

– Ela parou de falar comigo. Eu...sinto falta dela.

– Sente é? Que progresso para um equipamento de destruição em massa.

– Tem certeza de que quer ficar?

– Sim. Preciso ficar sozinha um pouco. Me tranquilizar. É quase lua cheia e... Ah, esquece. Não é nada. Vá aproveitar seu encontro.

– Afirmativo.

Após dias sem contato, Kamila repentinamente convidou o robô para sair. Na verdade, soou mais como uma ordem que um convite. Encontraram-se no cinema. A moça reclamou do uniforme branco do menino e o puxou até a sala. O clima romântico da película os incomodava. As vezes levava a maquina a observar Kaminla, que virava o rosto emburrada, e numa indecisão e arrependimento voltava o olhar ao garoto, que retornara a assistir o filme. Ela queria conversar. Ele também. Não aguentaram, falando em uma súbita coincidência misturada de palavras. Riram daquele momento visto somente em ficções. Os espectadores ordenaram silêncio e o casal se calou. Saíram argumentando sobre o final do filme. De mãos dadas, enterravam-se em seu próprio mundo, mal percebendo a lotação do centro de compras. Kamila parou de repente.

– Por que anda comigo? - perguntou ela.

– Geralmente, porque você me arrasta.

– Você me odeia?

– “Ódio” não consta nos registros.

– Mesmo eu gritando o tempo todo com você e maltratando os outros?

– Não consta nos registros.

– Ai...e eu pensando que tu tinha parado com essa palhaçada. - a menina fechou o punho e o colocou no peito. - Eu achei que me odiasse...quando...fez aquilo com a Bruna. Então...você me ama?

– Amar?

– É que...só pode ser...Você é o único garoto sincero comigo, e que não está interessado só no meu corpo. Ao meu ver é assim.

– Amar...Eu não...Consta...Indispon... ERRO!

– Erro?!

– Desculpe. - o robô correu, deixando a amada sem resposta.

A lua cheia iluminava os céus. A escuridão engolia o apartamento de Thiago. Ao acender a luz, ouviu um grito. Uma pequena mulher alada surgiu do corredor.

– Ai, que susto! Pensei que fosse um bandido. Quase te transporto para um rio congelado, seu doido! Uma fada não pode ter mais paz nesse universo?

– Me perdoe... - o robô estranhava aquela criaturinha de 20 centímetros a voar com suas asas de inseto. Vestia um colete e mini-saia verdes, botinas e luvas. O cabelo era curto e brilhava intensamente.

– Você deve ser o Thiago, o homem de lata, certo?

– Homem de lata?

– Sou Melissa, familiar da mestra Diana. Ela vive falando de você na minha terra. Eu e minhas irmãs o apelidamos de “homem de lata”. É engraçado. - a fada deu uma breve risada.

– Claro...Onde está ela?

– No quarto, e me deu ordens para não deixá-lo entrar.

– Por que motivo?

– Digamos que ela...precisa se controlar, e não quer ser incomodada em sua meditação.

– Certo, desde que ela fique bem.

– Sim, sim! Eu amo tanto ela. Quer dizer...não é que eu amo ela, eu gosto dela muito, e ela é tão bonita...Digo...Ela é uma garota maravilhosa, certo? - a pequenina ficou vermelha - Você sabia? A maioria das bruxas escolhe gatos ou sapos como familiares, porém ela me escolheu ao invés de um animal. Demais, não?

A fada tagarelou a noite toda.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Internado - parte 2

Atado numa cadeira, Antônio acordou num quarto minúsculo. A cama ao lado, completamente suja, enojava o detetive. O piso estava umedecido, congelando seus pés descalços. Um cheiro forte o desorientava. Um ruído o atordoou por um momento e uma voz começou a falar.

– Antônio Marcos de Oliveira. Detetive do departamento de polícia da nossa capital. Bem vindo. Eu sou o Dr. Mohamed Nunes, diretor deste maravilhoso estabelecimento particular. Quem diria, hein? Você deve ser muito bom para descobrir a origem dos restos.

– Restos? - tonto, o investigador se esforçava para responder.]

– Os corpos que encontrou, detetive. O parabenizo pela sua astucia. Ou sorte. Infelizmente, seria uma lastima se nos impedisse. Ainda assim, por curiosidade, estudei o seu passado. Descobri que há três anos atrás participou da investigação de um piromaníaco, que custou a morte de sua namoradinha. Após isso, você entrou em depressão.

– Como sabe disso tudo?

– Isso não importa. O que interessa agora é que você está ruim, e como médico, é meu dever tratá-lo. Começando agora mesmo. E durante o tratamento gostaria de fazer alguns testes. Enfermeira Laura, por favor, dirija-se ao quarto 318.

Antônio notou usar não a sua roupa costumeira, mas um avental hospitalar. Uma loira, com cicatrizes nos braços e pernas, entrou na cela.

– Olá. Eu sou a Laura. - disse ela, abrindo um grande e alegre sorrizo - Eu mesma troquei sua roupa, sabia? Você até que é gostosinho.

A mulher subiu no colo do homem, encostando um bisturi no peito dele. Ela então encravou a lâmina em sua própria coxa e abriu uma ferida.

– Ah! Isso! - a enfermeira urrava de dor e prazer. Passou a mão no fluido vermelho que escorria, esfregando-o na boca de Antônio - Beba. É tão bom. Vamos fazer juntos. Sim!

– Enfermeira, pare de brincadeiras e trabalhe! - advertiu a voz do doutor.

– Aah... - decepcionada, inseriu uma seringa num frasco e sugou seu conteúdo - Hora do remédio, seu menino levado.

– O que está me dando? - perguntou ele, enquanto levava a injeção.

– Apenas algo para abrir sua mente.

A visão do policial ficou embaçada. Sentiu a mulher o soltando da cadeira. A voz ecoada de Mohamed o alcançou:

– Não se preocupe, sua visão voltará em alguns segundos. Vá para o quarto 140. Use o elevador. Não tente fugir, as portas estão trancadas, e estarei vigiando pelas câmeras do prédio. Se quiser bater um papo, espalhei escutas por todo o terreno. Estarei ao seu dispor.

Recuperando sua visão, Antônio iniciou sua jornada ao elevador. Algumas macas enferrujadas atrapalhavam seu caminho. Checou as portas, e realmente estavam trancadas. Nos corredores, viu várias linguas pregadas numa das paredes encardidas. Exalavam um odor terrível da decomposição, com moscas saltitando de uma em uma. Acima da carne podre, um aviso escrito em sangue:

“SILÊNCIO DENTRO DO HOSPITAL”

sábado, 16 de julho de 2011

Internado - parte 1

Sugiro para não se perderem http://felipeintruso.blogspot.com/2011/01/incendio-parte-1.html


Ruas imersas na escuridão. As lâmpadas dos postes piscavam freneticamente. Aquele teatro. Parecia familiar. Dos corredores, via uma luz provindo dos interiores, acompanhada de uma melodia. Passando silenciosamente pelas poltronas, alcançou o palco. Os corpos de um senhor e um garoto, pendurados nas cortinas, se contorciam com os olhos virados. Uma mulher de cabelos curtos tocava um piano flamejante. Sentiu ter ouvido aquela música antes. A pianista parou, virando-se. Levantou e aproximopu-se do expectador.

– Você veio. - a mulher o abraçou emocionada - Eu te amo tanto.

De repente, a face da moça tornou-se em carne viva, acordando o homem do pesadelo. Antônio, de bruços na escrivaninha de seu escritório, coçou os olhos e enxugou o suor da testa. Tentando manter-se acordado, analisava documentos de vítimas recentes. Procurou o remédio nas gavetas. Nada. Aqueles pesadelos. Terapias, medicamentos e ainda assim as visões continuavam. Doutor Pedro e seu filho, Roberto, cremados. Júlia suicidando-se com um tiro. O fogo. Cenas que se repetiam na mente do detetive. Pioravam a cada dia. Alguém entrou.

– Como vai a investigação, Antônio? - perguntou o chefe de polícia.

– Todas as vítimas foram encontradas com orgãos faltando, mostrando que o assassino é possivelmente o mesmo. Porém, a área de ação dele é muito extensa. Estamos empacados.

– Entendo. - o velho notou a feição triste do amigo - Olha, por que você não vai para casa descansar?

– Preciso não. - disse foliando os arquivos.

– Não foi um pedido. Eu sei que não é fácil perder alguém. Só que já fazem três anos, Antônio. Você precisa superar isso. Deve lutar e aceitar o que aconteceu.

– Quem me dera... - fechou tudo e guardou, lembrando da verdade que ele escondia sobre a falecida amada - Estou indo. Boa Noite.

– Boa.

A chuva comprometia a visão do homem. Cansado, ele dirigia vagarosamente, olhando ao redor do veículo. O que é pior afinal? Perder a amada, ou descobrir que era uma assassina? Chegando, encontrou um mendigo na entrada do edifício.

– Senhor Antônio? - perguntou o indivíduo.

– Sim. Como sabe meu nome?

– Os corpos. Sei de onde eles vem.

– Corpos? Os sem orgãos?

– Sim. Toda noite uma van deixa-os nas ruas.

– Uma van.

– Sim.

– E por que não avisou a polícia antes?

– Não me deixaram entrar. Então te segui até descobrir onde morava.

– Sei. È isso?

– Não. Tem um nome escrito na van. Centro Hospitalar Abarão Porciano Clife.

– Um hospital? Estranho... Obrigado pela informação. Gostaria de entrar? Comer algo?

– Não. Prédios me assustam. - o sujeito saiu aos murmúrios.

Antônio pesquisou sobre o local. Ficava distante da cidade, num campo fechado. O terreno cobria vários hectares, contornado por uma vasta floresta. Era caríssimo e exclusivo, tendo pouca popularidade. No dia seguinte, o detetive se dirigiu ao centro médico. Os portões principais estavam escancarados. Interfonou, sem receber resposta. Invadiu com o carro. Atravessando diferentes jardins, alcançou a mansão. Estatuas de bestas e pessoas desnudas davam boas vindas ao investigador. Uma recepção vazia o recebeu. Papeis espalhados. Espirros de sangue pelas paredes. Estaria abandonado? Decidiu vasculhar. Ao dar o primeiro passo, sentiu um golpe e desmaiou.